10 de outubro de 2008

II

Minha família é o resumo do mundo perto de mim.
Tem pra todos os gostos, humores, amores, ideiais, vocações, ilustrações.
Em todo o mundo prega-se a tolerância entre as diferenças.
No minimundo, precisa-se pregar um post-it lembrando que a tolerância é a melhor amiga da paciência e, só assim, alcança-se a paz mini-universal [a paz de espírito].
Esse mundo, o familiar, tem me mostrado que o silêncio é mesmo de ouro.
Que a política é o dia-a-dia. Ser direto nem sempre é bom. Gostos não são discutidos. Nem crenças, nem futebol e nem o porquê de ter votado em quem não tinha chance.
Mas chega uma hora que o resumo do mundo vira contação de histórias, passado passado a limpo, conversas ao redor do bule, todos sentados esparramados pela mesa depois do almoço. Nesse momento tudo é festa de encontro, história para dividir.
Minha família não é perfeita, como ninguém no mundo é.
Tem altos e baixos como a bolsa de valores, porém, dentro dela, o amor nunca é especulação.

7 de outubro de 2008

I

Nos serviços burocráticos dos carimbos, das assinaturas, dos prazos a cumprir, na solução de como se deve vender o peixe nascido às margens do Tietê, semi-morto, a palavra perdeu o sentido e se afogou no tempo. Eu me perdi dela por todo o outono e começo da primavera. Vi os ipês em flor, as flores caírem, as pitangueiras florescerem e até comi as pitangas. Já não sabia mais o que seria: se eu juntasse letras, como a reconheceria? De repente, ela chegou logo para ser dita, aos berros, em dupla, combinando imagem e idéia: alma-calma.

27 de julho de 2008

De repente, Orelha descobriu porque nada ornava. Há 25 anos apaixonava-se por cérebros.

[Orelha] - Ouvido, nossa, escute! Descobri o que acontece comigo. Parte dos meus neurônios migram para órgãos como fígado e estômago; parte faz um bloqueio da ligação visão-raciocínio-lógico. É daí que vem minha estranha paixão por cérebros!

Ouvido queria ouvir outra conclusão. Provocou-a.

[Ouvido] - Orelha, você está muito intelectualizada. Vamos analisar a procedência dessa cegueira e burrice súbita, depois você tira conclusões melhores.
[Orelha] - Intelectualizada o escambal! Faz 25 anos que me analiso e agora cheguei a uma associação plausível! Ei, por favor! Ouça direito, depois venha me analisar!

Orelha tira um bastão cotonete de seu bolso e o entrega ao Ouvido. Este o utiliza com prazer inenarrável, olhando para cima. Orelha se espanta: nunca tinha visto Ouvido com os olhos brilhantes e tão comovido! Aproveitou a brecha e lançou:

[Orelha] - Ouvido, preciso te perguntar uma coisa: você tem cérebro?
[Ouvido] - Cérebro? Ahn-han, claro! Somos da mesma espécie ou não?

Ouvido, ao ouvir a pergunta, respondeu-a esperançoso. Pensou, "Depois desse tempo todo ela só foi perceber agora que o Ouvido aqui tem tudo o que ela mais gosta? Cérebro e ouvidos para escutá-la! Tanto suas doces quanto suas terríveis palavras..."

Encontravam-se à sós, Ouvido e Orelha, ela ao pé dele, ambos sentados à mesa, na calçada, a 50 centímetros de distância. Ouvido não sabia que Orelha tinha mudado sua maneira de ouvi-lo a partir do momento em que viu Ouvido se sentir feliz com uma coisa simples.

[Orelha] - Ouvido, você viu as estrelas no céu hoje?
[Ouvido] - Olhei-as quando você me emprestou o bastão cotonete. Lindas! Elas me deixam feliz, não sei porquê.
[Orelha] - Porque elas te...
[Ouvido] - ...me ligam diretamente ao coração de quem eu amo.
[Orelha] - É exatamente isso que eu sinto! Puxa, faz tanto tempo...

E os dois sorriram, de orelha a orelha, e deixaram um cometa rastrear o começo de suas histórias.

26 de maio de 2008

a primeira vista
o primeiro sorriso
a primeira conversa
o primeiro livro
a primeira música
o primeiro filme
a primeira dança
o primeiro passo
a primeira confissão
o primeiro beijo...

não nessa ordem, nem em espaço de tempo que se possa contar. amor-amor, como o perfume, o aroma, está na memória do dia-a-dia, a cada dia, maior-maior. [:o)]

***

Há tempos não escrevo textos sérios, revoltados, despeitados, irônicos. Minha quase-poesia está com os dois pés no pueril. Acho que essa mudada de tom está boa pra mostrar que é possível ser mais leve depois de ter carregado alguns pesos. E que tudo só fortaleceu um músculo do corpo, o coração.

21 de maio de 2008

Trocadilhando [ou os quatro elementos]

[Quem disse que vai acabar?]

água da chuva pra regar
água do mar pra navegar
água do olho pra descarregar
água do rio pra bebericar
água do amor pra criar, criar...

[E a gente respira isso todos os dias...]

ar, ar, ar...
está em todos os mais importantes verbos da primeira conjugação: amar, respirar, brincar, trabalhar, regar, plantar, cuidar, amar, amar, amar...

["Por mais distante, o errante navegante..."]

terra:
põe os pés nela
gaia criadora
e acarinha

[Transforma e transcende]

fogo, fogueira, fogão:
no tempo, no espaço, nos astros
primeira luz, guia, elemento astrolábio
continue regendo, transformando e transcendendo

27 de março de 2008

Os bichos

A gatinha Nina

Nina seria seu nome. Nina chega perto e vira de barriga pro céu. Ela quer carinho. Nina deita do meu lado e me dá beijinhos com sua língua áspera. Nina se chama Nina de tão pequenina que é. Que vontade de ninar Nina! [mas ela cospe bola de pêlos...]

O gatinho Tomás

Podem dar bola de lã, bola de papel alumínio, bola de meia, que Tomás nem dá bola. Tomás quer correr sem rumo, pular no ombro e cheirar o pescoço de sua dona. Menino-gato, Tomás quer mais é paz. [Tomás tem uma pinta na ponta do nariz...]

O cachorro Bob

Sem lenço e sem documento, ele apareceu. Seu primeiro nome ninguém sabia, mas conquistou todos com sua pinta de sangue bom. Carinho pra dar era o que não faltava! Até que, em um belo-dia-feijuca-feliz, Negão arranjou uma família e foi batizado mais uma vez. Bob é seu nome; Marley, sobrenome. [Bob tem um pêlo que faz inveja aos maiores adeptos do rastafári...]

O cachorro Lênin

Com nome e figura imponentes, de botar medo até em grandes russos, Lênin mostra a alma no primeiro olhar. É doce, desajeitado [seu corpo é muito grande pra sua meninice toda] e bom. Ele olha pra você e te chama pra brincar. Mas se você faz que num viu, que não tá nem aí, ele insiste. Porque ele gosta da brincadeira e quer dividi-la com você. Então, marotamente, chega perto, dá uma lambidinha na sua mão e sai correndo. [Lênin é branco como a neve, grande como o seu coração...]

O saber do amor

Em um olhar ver a verdade no que tem por dentro.

Ser amado pelo que é, por existir no mundo do jeito que for.

[nunca fui tão feliz. e é fácil.]

29 de fevereiro de 2008

E a página virou sal.

Pequenos grãos disformes em movimento de cascata caíam dos olhos da menina. Menina que gritava como nunca se ouviu. Era a sua história que se desfazia, à medida que as palavras eram jogadas ao vento. Preces, confissões, pessoas, lugares, os sentidos. Os sentidos – tudo se misturava com o ar.

Desapareceu para o desconhecido.

E o novo se fez com o sol, a água, o ar, o chão. O sol trouxe a luz. A água, os sentimentos. O ar, a memória. O chão, o apoio. E a menina vivia o novo tranqüila. Conduzia os sentidos em direção à essência, ao que é. Pessoas, confissões, lugares têm sentido: são. Tudo o que existe é um.

Expandiu em espiral.

26 de janeiro de 2008

Desabando as estrututras

Recebi esse poema por e-mail e o li hoje. Nada é por acaso, nem o nome do poeta.
passeio no bosque
o canivete na mão não deixa marcas
no tronco da goiabeira
cicatrizes não se transferem
[cacaso]
Hoje tive uma conversa longa que nada mais foi do que uma repetição de conversas anteriores. Decidi, minutos após o término da dita, pôr em prática minha resolução de ano novo: chega de churumelas, de pegar problemas dos outros, de querer abraçar o mundo, de querer que todo mundo goste de mim.
Tudo o que é muito rígido um dia tem que se dobrar. Demorou um tempão pra eu deixar de querer passar no concurso de santa e, de verdade, só depois dessa desistência é que comecei a aproveitar mais a vida, ver meus erros, errar bastante e acertar mais.
Foi por isso que escolhi: da minha vida só faz parte gente boa, bem-humorada, inteligente, interessante, sincera, leal, amiga pra todas as horas; gente imperfeita que se assuma como tal e com quem eu possa aprender, trocar, compartilhar. [também aceito que faça parte dela algumas poucas pessoas que o universo escolheu por mim e que eu tenho que engolir, rs.]
Quero manter o movimento e melhorar sempre. Estou muito feliz, vivendo tranqüila, cercada de uma energia inédita pra mim. Num gostou do que eu fiz, falei, espirrei, respirei? Sou totalmente aberta ao crescimento pela verdade! Num gosta de mim? Assuma! Não é porque o universo nos colocou no mesmo lugar que você é obrigada a me achar bacanuda. Sério mesmo. Só chega de transferência de dor, de projeção baixo-astral.
Ponto final. [em aberto[