Há alguns dias sem vontade de falar, sem ter o que dizer, amante do silêncio.
Arrumo a casa, jogo fora 5 sacolas cheias de papel. Entre os papéis poemas, cartas, desenhos, rabiscos de letras, notícias velhas.
Resolvidas as poucas pendências, fica a abertura. É tanta liberdade e não sei o que fazer com ela. Não quero perder tempo, mas tenho de saber respeitá-lo.
O silêncio, então, me pede pra dormir. Fecho os olhos e, com a cabeça doendo, as imagens começam a aparecer em vermelho e preto:
# Vista da cidade à noite com as luzes acesas, tudo virando até ficar de ponta cabeça.
# Disco voador que emana luz vermelha, homem alado que se transforma em luz , sobe e desce transformado em raio.
# Milhares de mãos pretas com unhas vermelhas que tentam alcançar alguma coisa [sabe-se lá o quê...].
Acordo sem conseguir abrir os olhos, com dor de cabeça e a cabeça a mil. Ganho um carinho nos cabelos, um beijo, um sorriso e tento retribuir com um sorriso tranqüilo. Mas não quero falar, não quero acordar, durmo de novo. Desta vez as imagens vêm coloridas:
# Casa de tijolos pintada de branco com grandes janelas de madeira. Entro na casa e ela se divide em partes: janela-porta-parede-telhado-chão.
# Vou direto à janela e, em cada vidro, aciono botões que abrem universos ilustrados. A família, os amigos, os amores, as pessoas que passaram rápido na minha vida, quem eu queria ter conhecido e os desconhecidos.
# Na porta os sentidos, na maçaneta a memória, na fechadura o amor.
# Nas paredes cenas do cotidiano, de anos, que não devem ser esquecidas.
# No telhado um galo português indicando as direções e os ventos. Sento ao lado dele e olho para o chão. Tudo é translúcido e no chão só vejo a base: a terra cor de tijolo.
Abro os olhos mais uma vez, sem a dor na cabeça, preciso ir embora. Ganho mais carinho nos cabelos, mais beijos, mais um sorriso.
Já esse sorriso é meu e vem do sentir o que o silêncio quis me lembrar: o quanto é bom ser livre e gostar de alguém.